Mãos de vidro

Os dedos começam a ficar impacientes de frio. Seguram o melhor possível a caixa de metal das aguarelas, que atrai ainda mais frio.

Espanha, Ávila – 5 Abril 2012

Mais uma Plaza Mayor. Mais uma vista quadrangular. Mas espera esta porta é magnífica! O único problema é que se me meto aqui para desenhar, fico mesmo no meio da praça. Será como lançar migalhas de pão para o chão, junto à estátua D. José e não querer pombos à minha volta. A vista convence-me e lanço-me ao desenho. Chineses, russos, portugueses, franceses e espanhóis. Todos vieram ao isco. Com um copo ao lado tinha feito uns trocos. Aos poucos vou-me sentido sozinho. Desconfio que seja hora de almoço. Já são poucos os que passam pelo meio da praça descoberta, preferindo as ruas das arcadas.

Abrem-se chapéus-de-chuva. Bolas, o desenho ainda não está acabado! Recolho o material para um abrigo. A vista já não é a mesma. As próprias tonalidades e sombras já não iguais. Os dedos começam a ficar impacientes de frio. Seguram o melhor possível a caixa de metal das aguarelas, que atrai ainda mais frio. “Está a chover granizo!” diz uma criança num tom alegremente gelado. “Ah que giro andar nas ruas a desenhar. Pois agora desenha lá com mãos de vidro. E se eu acabar o desenho depois…?!” penso.

“…não é a mesma coisa.. não tem a mesma dedicação. Faço até conseguir!”

Luís Simões
Luís Simões

Em 2012 comecei a World Sketching Tour e desde então, esse tem sido o meu estilo de vida. Mais intenso, mais para os outros, mais aberto sobre como olhar e julgar. A viagem fez-me sair de rotinas e lugares seguros, que muitas vezes me deixam dormente, só de ver a vida passar lentamente. O desenho despertou a minha curiosidade para o "como será do outro lado da montanha".

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