França

A minha primeira barreira foi o idioma. Saber português já é uma ajuda mas não chega para se falar.
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Paris

 

Já crescidinho, coçava-me todo, quando vinham com aquelas cantilenas: “O Luís, o Luís partiu o nariz…” ou a mais recorrente “O Luís, o Luís já foi a Paris”. Essa sim, coçava-me até ficar em ferida. Indignava-me a valer. Primeiro, porque nunca achei piada à rima e segundo, porque não era verdade: “…eu nunca fui a Paris, pá!” Por isso e por ser um dos países mais visitados do mundo, o meu desejo em conhecer França, foi sempre um misto de resolver o trauma de infância e deixar-me apaixonar pelo estilo de vida “très chique”, que os filmes me faziam sonhar.

Ou falas francês ou ficas apanhar bonés.

A minha primeira barreira foi o idioma. Saber português já é uma ajuda mas não chega para se falar. Especialmente porque a minha suspeita de que os franceses não ligam nenhuma ao inglês, tornou-se uma realidade assim que meti, ou melhor, tentei as primeiras conversas com os locais. Em La Rochelle, sul de França foi o primeiro teste. Enquanto desenhava, uma senhora na casa dos 40 anos abordou-me, muito amavelmente, em francês. Digamos que estava há meia dúzia de dias em França e ainda não tinha aprendido nada para além das típicas palavras turísticas. Mas lá nos entendemos. Feliz de mim, que assim que abro o caderno é como se tivesse um tradutor por perto, que lhes vai contando a minha história.

Porém, a cabeça deslocada no espaço mas a viver o momento, revela-me a semelhança com Portugal, na maioria dos costumes e estilos de vida. Portugal e França estão mais perto do que a simples barreira linguistica. Com isto, a minha busca em saber porque razão os franceses não falam inglês tornou-se como uma missão por esclarecer. Matthieu é um jovem francês que conheci em Dijon, que fala fluentemente inglês e claro, não perdi a chance de lhe perguntar o que pensava do enigma linguistico: “Eu sou francês de gema, mas tenho que admitir que os franceses são calões para aprender idiomas e não prevejo grandes evoluções para mudar o sentido.” Mas ainda não estava satisfeito, a que se deve tamanha falta de vontade em conseguir comunicar. “Se analisarmos bem, os turistas que aqui chegam, já aparecem aterrorizados com a ideia de que vão ser obrigados a falar francês, que acabam por facilitar a vida a quem cá vive e não nos esforçamos para aprender outros idiomas.” Verdade, acrescentando o facto de França receber milhões de turistas por ano, para consumir a arte e encanto europeu, que deixarmos de falar francês seria como roubar uma parte da sua identidade. Mas o meu cepticismo, ainda me fazia ter mais algumas questões.

Em conversa com Alexandra, uma venezuelana de origens francesas e a viver em Paris faz anos, pergunto a que se deve a arrogância parisiense? “A maioria dos habitantes de Paris não são efectivamente franceses e grande parte deles sabe que não lhe faltará turismo. Dão-se ao luxo de olhar por cima do ombro. Muitas das pessoas que aqui vivem estão cansadas do exagero consumista.” Eu próprio fui vitima desse mau humor e desrespeito. “O que tens que fazer é gritar por cima e seres mais arrogante com quem te trata dessa forma. Depois disso, fica claro que não estás para brincadeiras e tratam-te bem. Paris é uma cidade que ninguém se interessa por ninguém a menos que tenhas dinheiro.” Será realmente essa a verdadeira razão da pouca hospitalidade. A bom da verdade, apesar de Paris ser uma autentica máquina de lavar humana, procurar ajuda e conversar com quem habita as ruas é a melhor solução para levar uma ideia diferente, aprender francês e tirar o veneno injectado pelos carrancudos.

Passadas várias semanas em viagem por terras napoleónicas, deparei-me com o fenómeno “já consigo comunicar em francês!”. A segunda etapa de um sonho pessoal estava finalmente acontecer. Aprender na necessidade da viagem. Existirá melhor satisfação de ficarmos mais ricos sem aparente esforço. Agora, que já passei a barreira do sorriso ignorante perante o francês, posso afirmar que escutar esta língua, que parece sair de um conjunto de porcelana de casa dos meus bisavós, vestida por um rosto feminino de estilo vintage, é como termos o Louvre à nossa frente.

Luís Simões
Luís Simões

Em 2012 comecei a World Sketching Tour e desde então, esse tem sido o meu estilo de vida. Mais intenso, mais para os outros, mais aberto sobre como olhar e julgar. A viagem fez-me sair de rotinas e lugares seguros, que muitas vezes me deixam dormente, só de ver a vida passar lentamente. O desenho despertou a minha curiosidade para o "como será do outro lado da montanha".

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2 comentários

  1. Luís,
    Gostei da “prelecção”!!! E que grande finale!!!
    E os Sketches??? Lindos, lindos, lindos!!!
    🙂 🙂 🙂

  2. Xenofobia (do grego ξένος, translit. xénos: “estrangeiro”; e φόβος, translit. phóbos: “medo.”) é o medo irracional, aversão ou a profunda antipatia em relação aos estrangeiros,a desconfiança em relação a pessoas estranhas ao meio daquele que as julga ou que vêm de fora do seu país.

    Quando estive em Paris, em 1992, e apesar de falar francês, senti algum desse desprezo pelos estrangeiros. Um dia entrei numa loja “La Bagagerie” , e como ia de jeans, bolsa Kipling à cintura, e impermeável HH, a empregada olhou-me com desprezo, e atendeu a japonesa que entrara depois de mim… Fiz as minhas compras, e antes de sair, olhei-a também de alto a baixo… será que ela percebeu ?

    Já na Gascogne onde passei mais tarde quinze dias, e apesar de serem pequenas vilas, não senti isso !

    Bon voyage 😀

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