Sinto-me tão bem aqui.

A vida se não é perfeita naquele momento, não sei quando será.

Espanha, Coruña – 22 Março 2012

O que fazem aqui tantas pessoas?
Será que o resto da cidade também está assim tão preenchida?
Sentado num banco de jardim, deixo-me ir na ideia de que vou ficar ligado a esta cidade de alguma forma. Uma parte de mim identifica-se com as fachadas dos edifícios. Ao sol que dá luz às ruas e as mantém quentes. À Praça Maria Pita e à gente que lhe dá vida. Em redor de tudo isto e alheio da confusão urbana, está o mar. Um sossegado azul marinho, tranquiliza quem por ali passa. O que fazem aqui tantas pessoas pela fresca da manhã?

Passos largos, corrida ligeira, sentados nos bancos a ler os “periódicos”. Mulheres bonitas, homens engravatados, cães que guiam pessoas, pessoas que têm pressa em chegar. Aqui encontro de tudo. Aqui ando de bicicleta, regalado com a brisa fresca que me fez gelar a cara. Mas esse gosto já ninguém me tira!

 

Coruña - Marina

Coruña - Castillo San Anton

 

Encosto o bicicleta, procuro uma rocha larga e espalmada para me instalar. Um novo desenho aproxima-se. Apetece-me mais viver o momento do que desenhar. Os pescadores são sempre gente sábia e umas horas na sua companhia só me fará bem. Deixo-me ir nos lançamentos do anzol, juntamente com o sol que me vai queimando a pele. A vida se não é perfeita naquele momento, não sei quando será.

Ao fundo vejo um pescador com um balde cheio de frutos do mar. Frutos, porque não faço qualquer ideia do que apanhou. A minha curiosidade comanda-me e vou ter com ele. Provo então, ovas de ouriço do mar. Exclamo “sabe a mar!”. Sai uma gargalhada geral perante a minha ignorância e o velho pescador. Em 15 minutos apanhou 93 ouriços. Agora 92 porque um deles já vai comigo.

 

Coruña - Torre Hercules

 

É cedo e está um frio terrível. A uns bons 500 metros está a Torre Hercules. É o Farol mais antigo ainda em funcionamento. Não há tempo a perder e antes que fique completamente gelado, vamos lá desenhar. Fixo-me na paisagem morta com as costas voltadas para o agitado oceano. Sem convite, o pardal Traçado faz-me companhia. Olha para o que faço e vai metendo conversa comigo. Falamos de como é bom viajar. Como é bom ter asas e voar. Como é bom ser-se livre.

A conversa vai tão boa que o Penas Curtas e o Radical, juntam-se a nós. Este último, é o mais novo dos três. Faz furor entre os pardais fêmea da idade dele. Porém, é tão desligado que ninguém o prende. Adora fazer razias aos escarpados da montanha e passar rente ao mar para apanhar com alguns salpicos. Deixa-se ir nas correntes de ventos desgovernados porque “assim é que é viver”, diz ele. O Penas Curtas é mais reservado. Observa, ouve e espera pela sua vez para dar a sua opinião. Não gosta de grandes bandos de pardais, acha que dá sempre confusão. Prefere fazer a sua vida solitário e sem preocupações.

O desenho está pronto. “O que acham?!” pergunto. Olho para o lado com o caderno na mão e reparo que estou sozinho. Oiço uma voz: “Falas com quem, rapaz?”. Um velhote chega-se ao meu lado esquerdo. “Tenho estado à que tempos a observar-te aqui sozinho e falas com quem?”.
Respondo “…com as aguarelas, senhor, com as aguarelas!”.

 

Coruña - faces Virgen Carmen

Coruña - Avenida de la Puerta de Aires

Luís Simões
Luís Simões

Em 2012 comecei a World Sketching Tour e desde então, esse tem sido o meu estilo de vida. Mais intenso, mais para os outros, mais aberto sobre como olhar e julgar. A viagem fez-me sair de rotinas e lugares seguros, que muitas vezes me deixam dormente, só de ver a vida passar lentamente. O desenho despertou a minha curiosidade para o "como será do outro lado da montanha".

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3 comentários

  1. Além das aguarelas (que sou fã), a descrição da Corunha está muito bem escrita, descreve pormenores deliciosos e quanto às ruas cheias de gente é das primeiras recordações que tenho e uma sensação única (de Espanha em geral).

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